segunda-feira, 16 de junho de 2008

Política e Religião. Uma reflexão sobre Concordatas

Quem diz que religião não se discute é alheio ao sistema de seu próprio país. A visita do Papa Bento XVI ao Brasil, em maio de 2007, comprova que a discussão pode fomentar ainda mais quando interesses religiosos estão atrelados a contexto político e social. Desde o pedido de concordata da Igreja Católica ao Brasil, o assunto desperta questões sobre ética cultural e a verdadeira função da religião na sociedade.

Durante o período de sua visita, Joseph Ratzinger demonstrou preocupação com o maior país católico do mundo e, com os dados de decadência de fiéis para os evangélicos, procurou evidenciar a imagem de bom pastor que cuida de suas ovelhas. Entretanto, é sabido que os interesses da Igreja vão além de cerimonial de leitura e cânticos religiosos. Interesses esses, concretizados na concordata formalizada ao governo, mesmo ciente de que o Brasil é, constitucionalmente, Laico.

A concordata estabelece benesses à Igreja, além de maior expansão (e imposição) de controle do catolicismo. Entre os “direitos” solicitados, está em o governo brasileiro reconhecer a não existência de vínculo empregatício entre padre e Igreja; abolir ações trabalhistas contra os padres; reconhecer seminários religiosos como cursos regulares; cancelar as dívidas da Igreja, além da obrigatoriedade do ensino religioso em escolas públicas.

Nessa esfera, o advogado e membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP, Aldir Guedes Soriano, em matéria ao Correio Braziliense , pontua juridicamente que “concordatas são inconstitucionais no contexto laico ou não-confessional” e ainda que “tal acordo, além de injustificável, também comprometeria as liberdades de consciência, crença e culto das demais religiões e confissões religiosas existentes na sociedade brasileira. Isso abalaria os princípios da democracia constitucional e liberal”. Partindo desse pressuposto, subtende-se que os interesses da Igreja são em resgatar a participação efetiva, e política, no Estado brasileiro assim como foi firmado na Itália, Portugal e Alemanha. No entanto, a questão primária é conhecer sobre quais direitos o catolicismo pode se considerar como religião oficial. Que direitos detêm para estabelecer posições majoritárias frente a tantas outras confissões existentes no Brasil.

Na vertente relativista cultural, todos os fatos morais são concernentes a uma sociedade local. Assim, os fatos morais procedem daquilo que uma determinada sociedade aprova ou reprova. Religião é, antes de tudo, uma cultura local e mesmo o proselitismo sendo permitido, não é por imposição. Os povos têm o direito de decidirem qual caminho seguir. No entanto, já que o relativismo também é um ponto de vista, pode não ser considerado como verdade para todos. Porém, em absoluto está o visível interesse político. Se uma concordata é aprovada, logo tal religião beneficiada obtém mais probabilidades de expandir seus conceitos e costumes tornando global o que é considerado local. O que se percebe com isso é a reedição do triunfalismo do império romano. Um fato moral que, provavelmente, desencadeia divergências, já que em solo brasileiro impera a opção pelo diálogo, contrário a ala dogmática seguida atualmente por Roma.

Oportunamente, o historiador e pesquisador Luís Mir , menciona que “ela [a concordata] permitiria que o Estado religioso católico firmasse acordos diplomáticos para financiamento pelo Estado brasileiro de políticas sociais católicas, administradas diretamente por Roma. O Vaticano teria todos os bônus e nenhum ônus, o que geraria uma gritaria generalizada e justificada das outras confissões”. Assim, a liberação de uma concordata foge à análise ética. Isto seria abrir espaço para oportunismo em outros organismos sociais. A Igreja se auto-intitula como “instituição religiosa de direito público”, dessa forma os partidos políticos, organizações não-governamentais e as próprias outras confissões poderiam, de igual teor, reivindicar privilégios. O que os difere, estruturalmente, da Igreja?

O mesmo se aplica à obrigatoriedade do ensino religioso em escolas públicas. No pluralismo religioso existente no Brasil, o que pode caracterizar que uma determinada confissão tenha espaço absoluto? Em 2004, no Rio de Janeiro, a ex-governadora Rosinha Matheus aplicou a lei do ensino religioso. A disciplina é abordada separadamente, por doutrinas. Mas abrange a todas, inclusive o ateísmo? É uma discussão infinda. Diferente seria ensinar a história das religiões. Nesse artefato o catolicismo teria o direito pleno de ser inserido, sem necessitar de concordata alguma.

Em suas raízes, o catolicismo é cristão pela crença em Jesus Cristo como Deus. Estranho, e contraditório, é a isenção de similaridade com o “mestre espiritual”. Conforme a história, Jesus Cristo enquanto viveu na terra pregou um Reino diferente do conhecido pelo homem natural. Um Reino independente de acordo político, legalista ou moralista. Os judeus também criam em um messias, porém um messias que viesse para restaurá-los politicamente. No entanto, mesmo Jesus Cristo se autodeclarando o messias, não foi totalmente aceito na comunidade judaica porque não manteve inclusão política.

Se a base é cristã, as características precisam se corresponder. Jesus Cristo no auge de sua aceitação pelos povos circunvizinhos poderia ter reivindicado vantagens políticas, mas ao contrário, pregou um Reino espiritual. Por isso então, a Igreja (católica e tantas outras) enquanto Organismo, na esfera espiritual, deve estabelecer meios para que essa crença se viabilize, podendo se amparar de quantas verdades julgarem necessárias. Enquanto Organização, instituição social, deve cumprir com todos os deveres sociais. A relação entre igreja e estado não possui histórico satisfatório. Em tempos antigos, quando o imperador romano Constantino (316 d.C) oficializou o próprio cristianismo como religião única, o resultado foi uma “Santa Inquisição”.

Contudo, tem-se que considerar que igreja, independente da crença, também é formadora de dogmas construtivos. O quadro social declarado por Ratzinger não é utópico, nem no Brasil nem no mundo. Podem-se perceber as transformações sociais acontecerem decorrentes de má orientação ou descaso, pelo Estado e pela sociedade. Será mesmo que a legalização do aborto resolve o problema de saúde pública no Brasil? Será que o incentivo sexual, desmascarado da mídia aos jovens é totalmente sadio?

Dogmáticos ou não, a Igreja tem a plena liberdade de defender o que reconhecer como certo. Daí acreditar que tem liberdade para realizar uma concordata com clausulas abusivas, é “pecado”. A Igreja deveria ser a primeira a saber que o erro é perdoável, mas as conseqüências são inevitáveis e precisam ser arcadas. Se há dívidas, ações trabalhistas, tributos a pagar, imposto a cumprir, processos entre outros, devem ser assumidos até que se dilua. Uma concordata assim, provavelmente, seria aprovada por Deus.

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